A TRAJETORIA DE PE. ALOYSIO JACOBI E AS RELAÇÕES DE ENTRE IGREJA E ESTADO

23 de Maio de 2023

A TRAJETORIA DE PE. ALOYSIO JACOBI E AS RELAÇÕES DE ENTRE IGREJA E ESTADO

A Paróquia São João Batista de Peabiru, neste ano de 2023, ao completar 70 anos, relembra a importância do seu primeiro vigário, Pe. Aloysio Jacobi. Aliás, podemos destacar que ele teve uma relevante influência no desenvolvimento do catolicismo na região de Campo Mourão, visto que foi, também, o primeiro vigário de Campo Mourão.   De acordo com informações levantadas pelo Pe. Henrique Perbeche (1918-2011) e obtidas junto à sede da Província Sul do SVD em Curitiba, Pe. Aloys Jacobi – grafia alemã de seu nome de batismo – nasceu aos 17 de novembro de 1904, na cidade de Struth (atual Rodeberg), na Alemanha. Era o quinto de nove filhos do casal Filip Jacobi e Maria Richardt Jacobi. Seu pai era carpinteiro e sua mãe, dona de casa. Ele completou a educação básica em sua cidade natal, apesar dos desafios impostos pela Primeira Guerra Mundial, em 1918, quando a Alemanha vivia uma época extremamente desafiadora. Para garantir a sobrevivência, a família Pe. Aloysio teve que trabalhar em fábricas e minas. Embora o pai, Filip Jacobi, tenha conseguido montar sua própria carpintaria, foi Pe. Aloysio quem assumiu as rédeas dos negócios após o pai ter quebrado o fêmur (AGUILAR, 2010).

Desde menino dizia sentir-se chamado para a vida religiosa, mas seu pai insistiu que aprendesse o ofício de carpinteiro, e Pe. Aloysio passou três anos dedicados a essa formação, obtendo seu diploma profissional. Embora tenha sido uma conquista, logo ficou claro que não era o que queria. O chamado religioso continuou a ecoar. E aos 26 anos, numa vocação tardia, ingressou no Seminário Menor da Gesellschaft des Göttlichen Wortes, a SVD, estudando por dois anos. De lá, seus superiores o mandaram para o Brasil.

Pe. Aloysio chegou às terras brasileiras em 7 de janeiro de 1929, foi acolhido no Instituto Missionário São Miguel, na cidade de Antônio Carlos (MG), onde aprendeu o português e se dedicou aos estudos humanísticos. Mesmo sendo seminarista, Pe. Aloysio, teve que desempenhar suas habilidades de marceneiro, ajudando na conclusão de algumas obras do Instituto. Foi transferido para Santo Amaro (SP) em 1931, mesmo ano da inauguração da nova casa onde fez o noviciado. Governan (1974), traz que o dia 06 de dezembro de 1936, foi um dia histórico para o Seminário do Espírito Santo, com 32 anos de idade, Pe. Aloysio foi um dos 6 primeiros presbíteros a ser ordenado pelo arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar da Fonseca e Silva.

Em 1938, foi designado como coadjutor do Pe. Agostinho Lattenkamp, na região de Pitanga (PR). Que na época estava sob jurisdição eclesiástica de Ponta Grossa, onde competia a SVD dar assistência religiosa. Ao criar a paróquia Sant’Ana em Pitanga, no ano de 1933, a nova paróquia foi desmembrada de Ponta Grossa e passou a fazer parte da prelazia de Foz do Iguaçu, juntamente com a região de Campo Mourão.

No ano de 1938, Pe. Aloysio iniciou suas visitas na região de Campo Mourão, mais especificamente em Mamborê. Ao chegar nessa região, Pe. Aloysio encontrou situações adversas ao catolicismo. Um pai trocou a filha por uma vaca, algumas pessoas chegavam bêbedas na missa de casamento, dizendo “querer sufocar Jesus na cachaça”, casos de bigamia, ameaças de morte ao padre. Em outra localidade, chamada de Tatete, entraram na casa que estava hospedado e o obrigaram a fazer confissão. Foram contratempos que o padre alemão enfrentou, mas podemos sugerir, que não o assustava, visto que, segundo Aguilar (2010), Pe. Aloysio, relatava os horrores da Primeira Guerra Mundial, onde viu uma moça ser abusada por 8 soldados.

Em 1939, o Pe. Lattenkamp adoeceu e precisou buscar tratamento médico no Rio de Janeiro. Com isso, a responsabilidade pela paróquia de Pitanga foi assumida pelo Pe. Aloysio. Ao continuar suas visitas feitas na vasta região, em 1940, o Pe. Aloysio pediu uma visita do Monsenhor Manoel Koenner, que havia sido designado para Foz do Iguaçu desde 1939, como o segundo Prelado a administrar essa prelazia, ficou conhecido como Bispo do Sertão, por fazer as visitas pastorais tanto de Jeep como a cavalo.

Na ocasião da primeira visita do Monsenhor em Campo Mourão, também apareceu uma comissão da parte das autoridades de Guarapuava para definir o território de Campo Mourão, que teve sua demarcação feita em 1942. Pe. Aloysio foi nomeado como o primeiro vigário do novo território, e se mudou para o local no ano seguinte. Ele foi incumbido de construir a nova paróquia e, em suas memórias, descreveu que chegou em extrema pobreza, sem mesmo os paramentos para celebrar a missa. Inicialmente, celebrou usando sua própria camisola e construiu um altar com sacrário, além de fazer uma cama, mesa e banquinho. Ao constituir a primeira comissão paroquial, tinha o objetivo inicial de construir uma nova matriz, objetivo que foi alcançado, e no dia 19 de março de 1944, celebrou a primeira missa com os paramentos que Dom Manoel Konner havia enviado.

Durante seus trabalhos missionários em Campo Mourão, Pe. Aloysio enfrentou situações difíceis. Em certa ocasião lhe foi negado abrigo e alimentação, sendo obrigado a pedir ajuda a seu rival, o agrimensor, Eugenio Zaleski, que em outras circunstâncias teve um mal entendido na formação territorial de Campo Mourão, e mesmo sendo antagônicos, o acolheu por dois anos.

Mesmo com esses contratempos, o padre verbita, prosseguia com suas incumbências em Campo Mourão. Nesse período, a colônia de Peabiru foi se desenvolvendo, marcada por diversas empresas de colonização e, para povoá-la, o governo intensificou o mecanismo estatal de atração de pessoas para a região.  Pe. Aloysio celebra a primeira missa da nova colônia, no dia 28 de novembro de 1947 (PERBECHE, s.d). No ano de 1948, na festa de São João Batista, o padre coloca o cruzeiro, marco do início do catolicismo e da fundação do novo município. O sucesso da iniciativa da formação de Peabiru foi bem considerável, afinal se tornou independente em 1951 e comarca em 1953. Logo solicitaram a presença de um vigário, e Pe. Aloysio foi transferido para iniciar a construção da nova paróquia. Cuja ata consta que no dia 23 de fevereiro de 1953, foi criada pelo Prelado de Foz do Iguaçu, por Dom Manoel Koenner.

Pe. Aloysio, pretendia tomar posse no dia da festa do padroeiro, 24 de junho de 1953. Não conseguiu devido um acidente de jipe, retornando suas atividades no dia 28 de outubro de 1953, e no dia 01 de novembro de 1953, relata que “Jesus Sacramental ou melhor foi acesa a luz da lamparina para não mais se apagar” (PERBECHE, s.d). Foi instalado o sacrário na nova igreja. E realmente, não se apagou, pois vultoso foi, e ainda é, o trabalho dos padres que passaram por Peabiru, nesses 70 anos.

E aos 24 de junho de 1956, foi lançada a pedra fundamental da igreja em alvenaria. Que de acordo com os paroquianos de Peabiru, durante a edificação da Igreja Matriz, com sol ou chuva, Pe. Aloysio usando sua batina, carregava pedras, batia massa, assentava tijolos, sempre auxiliando os construtores da nova igreja. E sempre após as missas ele fazia um chamado, quase que uma convocação, aos fiéis para ajudar na construção da igreja, da qual a planta foi trazida da Alemanha.

Para cumprir sua nova missão, o padre da SVD devia atender 14 capelas que pertenciam à Peabiru. Dentre os locais que Pe. Aloysio atendia estava a capela do distrito de Engenheiro Beltrão, no qual ele celebrou, em 1945, a primeira missa (PERBECHE, s.d). Nesse mesmo ano teve início a reocupação dessa região, e uma empresa privada, a Sociedade Técnica Colonizadora Engenheiro Beltrão Ltda., fundada em 1947 pela família Beltrão, ligada ao governo do Estado, foi responsável pela colonização de terras que daria origem ao novo município.

A partir de 1952 foram organizadas as atividades religiosas no distrito e a realização de sacramentos para as famílias locais que, dez anos mais tarde, em 1962, seria criada a nova paróquia (AGUILAR, 2020). Antes, em 1954, Engenheiro Beltrão foi elevado a município, e recebia assistência religiosa dos padres de Peabiru. Após atuar por 10 anos em Peabiru, e com a fundação da nova paróquia, Pe. Aloysio foi transferido para Engenheiro Beltrão, no ano de 1962, onde mais uma vez iniciou a construção de uma nova paróquia, onde continuou a servir até o momento de seu falecimento, no dia 21 de setembro de 1974, acometido por insuficiência e pneumonia.

Como líder religioso Pe. Aloysio Jacobi não se limitava apenas à construção de templos religiosos. Sua visão ia além disso, buscando incorporar os princípios da religião católica na vida das pessoas. Tanto que uma das primeiras ações que tomava ao chegar em um novo local era formar uma comissão de festa, visando a realização das comemorações alusivas ao padroeiro do município com novenas, como ele mesmo relata nas primeiras páginas do LTPSJ/Campo Mourão (1943, p. 1): “Meu 1º serviço foi fazer altar, e de noite fazer novenas na preparação da festa de São José. A festa de São José foi no dia 19 de março feita pelos seguintes festeiros e festeiras[...]”.

Buscava padres de outras congregações para fazer missões nas paróquias que atuava, em busca de novos adeptos ao catolicismo. No LTPSB/Peabiru (1953) ele menciona que os padres capuchinhos vieram fazer missões na paróquia de Peabiru, cujo resultado teria sido satisfatório, já que 15 protestantes – notadamente, luteranos – passaram a professar a religião católica. Nessa dinâmica de expansão do catolicismo, o padre carregava consigo os desígnios do sagrado e os transmitia para o cotidiano das pessoas, buscando integrar a fé da Igreja de Roma à vida das pessoas simples nesse canto do Brasil.

Em várias situações Pe. Aloysio enfrentou desafios ao administrar comunidades paroquiais em regiões remotas, fazendo viagens a pé ou a cavalo por matas fechadas, enfrentando as dificuldades do sertão para ministrar os sacramentos e as festas religiosas solicitados pelos moradores (Veiga, 1999). Tanto que, em outro episódio, o padre verbita foi atingido por um coice de cavalo, o que o deixou de cama por um mês e posteriormente desenvolveu pneumonia. Mesmo doente continuou a administrar os sacramentos do batismo e casamento para aqueles que solicitavam. Chegavam até lhe atribuir milagres quando havia uma criança doente e por ele era batizado. Aliás, quando o assunto era batizado, o verbita chegou a criar polêmicas. Dependendo do nome da criança, ele trocava, argumentando que era necessário o primeiro nome ser de santo (AGUILAR, 2010).

Um dos aspectos religiosos de Pe. Aloysio era sua idiossincrasia como líder. Tanto que no desenvolvimento da diocese de Campo Mourão, Dom Inácio Krause – que havia sido nomeado, em 1958, administrador da prelazia de Foz do Iguaçu, e designado a organizar a diocese de Campo Mourão – administrava provisoriamente e remotamente a nova diocese, nomeou Pe. Aloysio como Vigário Geral que, como consta no LTPSJB/Peabiru, (p. 53), naquele momento de vacância fazia as vezes de um bispo. No exercício pleno desse múnus de quase-bispo, era ele quem autorizava, por exemplo, que os padres da neodiocese ministrassem o batismo a protestantes alemães que se convertessem à fé católica, como no caso do ex-luterano Mario Adolfo Freitag, por meio do que chamou de “Provisão de Recepção no Grêmio da Igreja Católica” (PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA, 1959).

O padre verbita tornou-se conhecido por suas ações, já que era mais de ações concretas do que de muitas palavras. Durante o tempo em que atuou na região de Campo Mourão ele desenvolveu diversas atividades pastorais, tais como o Apostolado da Oração, as Congregações Marianas, grupos de catequistas, promoção vocacional, cursilhos, Movimento Familiar Cristão, TLC, Missões Populares, escolas, reuniões, encontros e cursos de religião, além de formar e capacitar ministros da Eucaristia (PERBECHE s.d).

O padre verbita dizia que a nossa interdependência era crucial e ilustrava isso com a metáfora do trapézio, onde cabe a cada indivíduo oferecer sua mão ao outro para alcançar o topo. Ele enfatizava a importância de cada um cumprir seu papel e deixar o mundo seguir seu curso. Quem o conheceu conta que apesar de sua sisudez ele tinha seus momentos de rejubilo, de apoio e gosto das festas religiosas. A cerveja, o pão e a linguiça estavam entre suas preferências (AGUILAR, 2020). Sua dedicação às diversas atividades pastorais demonstrava seu compromisso para promover a vida cristã entre os fiéis, esperançosamente para o crescimento espiritual e o fortalecimento da fé aos quais servem.

Três foram, municípios onde o Pe. Aloysio atuou como pároco – Campo Mourão, Peabiru e Engenheiro Beltrão – sua importante contribuição ficou registrada e reconhecida com homenagens nas ruas dessas três cidades, uma estátua na Catedral São José em Campo Mourão, e no nome do Salão Paroquial de Peabiru.


FONTES

LIVRO TOMBO DA PARÓQUIA SÃO JOSÉ. Campo Mourão, 1943.

LIVRO TOMBO DA PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA. Peabiru, 1953.

PERBECHE, Henrique. Um pioneiro do sertão: esboço biográfico Pe. Aloísio Jacobi S.V.D. (s.d.)

REFERÊNCIAS

AGUILAR, Coronado Aguilar. Intrépidos Missionários da Igreja no Paraná. Curitiba: Champagnat, 2010.

AGUILAR, Jurandir Coronado. Sob o Sinal da Santa Cruz. Maringá: Massoni, 2020.

MC GOVERN, Joseph Patrick. Fertilidade de Canaã: a história da Congregação do Verbo Divino no Brasil. Juiz de Fora: Esdeva, 1974.

VEIGA, Pedro da. Campo Mourão: centro do progresso. Maringá: Bertoni, 1999.


Autora: Lucinéia Aparecida Gomes Pereira - Mestranda do Programa de Pós-graduação de Interdisciplinaridade Sociedade e Desenvolvimento da Unespar.