Sobre a celebração da Entrada no Catecumenato

03 de Novembro de 2022

"Sobre a celebração da Entrada no Catecumenato"

         O Concílio Vaticano II não propôs recuperar o catecumenato, inspirando-se no cristianismo dos primeiros séculos, por acaso. Estava sendo gestada uma nova eclesiologia, isto é, uma nova compreensão do ser e da missão da Igreja, que pretendia ao mesmo tempo ser mais fiel aos desígnios do Evangelho e à sua missão no mundo de hoje. Duas características dessa eclesiologia levam naturalmente a repensar a Iniciação Cristã: ser uma Igreja missionária e acolhedora. A Igreja é compreendida justamente como Povo de Deus que se alegra em receber novos membros e iniciá-los no seguimento do Senhor. Portanto, para que a Iniciação à Vida Cristã não seja apenas “remendo novo em roupa velha” é necessário uma conversão eclesiológica de todo o Povo de Deus, leigos e ministros ordenados.

         Só Inicia uma Igreja que evangeliza. Sem menosprezar a missão levada a cabo em terras distantes por agentes consagrados, a missão agora é entendida prioritariamente como obra de todo batizado em seu ambiente vital. Quem aceita o convite, vai se aperfeiçoando em Cristo. Esta conversão, “acarretando consigo uma progressiva mudança de mentalidade e de costume, deve manifestar-se com suas consequências sociais e paulatinamente desenvolver-se no tempo do catecumenato” (Decreto Ad Gentes – AG n.13). Nesta evangelização devem-se evitar dois extremos: “A Igreja proíbe severamente que alguém seja coagido a abraçar a fé, e que seja induzido ou aliciado por meios importunos. Da mesma forma afirma com vigor este direito: ninguém deve ser afastado da fé por meio de iníquos vexames” (AG n.13).

“Os que de Deus receberam a fé em Cristo mediante a Igreja, sejam admitidos ao catecumenato, através de cerimônias litúrgicas: O catecumenato não é mera exposição de dogmas e preceitos, mas uma educação de toda a vida cristã e um tirocínio de certa duração, com o fim de unir os discípulos com Cristo seu Mestre. Sejam os catecúmenos convenientemente iniciados no mistério da salvação. Através da prática dos costumes evangélicos e pelos ritos sagrados que se celebram em tempos sucessivos, sejam introduzidos na vida da fé, da liturgia e da caridade do Povo de Deus” (AG 14).     

         É a comunidade eclesial quem acolhe o catecúmeno e o ajuda nas etapas de seu itinerário cristão. O fará mediante a catequese que o esclarecerá quanto ao conteúdo de sua fé; o inserindo em uma assembléia viva por meio da liturgia; o estimulando ao compromisso em seu ambiente vital. Neste itinerário, o catecúmeno será acompanhado em toda sua preparação por um cristão experimentado que partilhará com ele sua experiência de vida. O ajudará na compreensão e memorização do Símbolo de Fé e da Oração do Senhor e, nos momentos próprios, dará seu testemunho sobre o catecúmeno. Conforme o momento e lugar, recebeu diferentes nomes: “fiador” ou “garantidor” (Tertuliano);  “pai” ou “mãe” (Egéria); “pai espiritual” (João Crisóstomo). Nós os chamamos, ainda hoje, exatamente assim: de “padrinho” ou “madrinha”, ou seja, pequeno pai ou mãe. Em uma de suas catequeses batismais, João Crisóstomo se dirige a eles nestes termos:

“Os que se fazem fiadores de outro por uma soma de dinheiro são mais ameaçados do que seus afiançados. Se o que pede emprestado dá provas de boas disposições, torna menos pesada a carga de seu fiador. Em caso contrário, prepara-lhe dura catástrofe. Por isso, um sábio exorta dizendo: ‘Não te tornes fiador além dos teus recursos: se já o és, pensa como pagarás’ (Eclo 8,13). Se os que se fazem fiadores de outro por dinheiro se tornam judicialmente responsáveis pela totalidade da soma, com mais forte razão os que se fazem fiadores no plano espiritual, quando está em jogo a questão da virtude, devem mostrar grande vigilância, exortando, aconselhando, corrigindo com paternal afeição. [E conclui:] Assim, sabeis ó padrinhos, que não é pequeno o perigo que vos espreita se fordes negligentes” (Le Catechesi Battesimali, VI,15-16)

         A entrada no catecumenato é um ato litúrgico em que a Igreja, em sua realidade local e visível, acolhe alegremente quem deseja ser cristão e pertencer a ela, desde que preencha alguns requisitos. Por ser ato da Igreja, local e universal contemporaneamente, o primeiro responsável é o bispo. Nos primeiros séculos, como temos visto, ele tomava parte ativa e intensa no processo de Iniciação. Os exames e escrutínios, as catequeses em forma de homilias e a presidência das celebrações competiam a ele. Com o desenrolar da história e da adesão ao cristianismo, passou a delegar essas funções a ministros ordenados e leigos. Com a predominância do batismo de crianças e o fim do catecumenato como tal, esfacelou-se também a iniciação sacramental, reservando-se a crisma para quando o bispo estivesse presente na comunidade. Ao resgatar a Iniciação à Vida Cristã seria desejável que os bispos pudessem voltar a manter algum tipo de contato direto com os catecúmenos que estão sob sua responsabilidade, aproveitando das novas facilidades dos meios de comunicação.  

         Como a entrada no catecumenato é entrada na Igreja que se realiza numa comunidade eclesial local, visível, composta de pessoas com rostos conhecidos em boa parte, deve-se sobremaneira valorizar liturgicamente essa dupla dimensão: é entrada no mistério de Cristo e ao mesmo tempo entrada no Povo de Deus que caminha no aqui e agora da história, com todas as circunstâncias e limitações que isto acarreta. Por isso, deve ser um dia festivo, com toda a comunidade reunida para acolher os que pedem o ingresso no catecumenato. Tem início fora da Igreja enquanto templo. Ali se tem o primeiro diálogo com os catecúmenos, quando eles demonstram sua inicial adesão a Cristo e renúncia ao que impede essa adesão e o testemunho dos introdutores. São marcados com o sinal da cruz. O RICA sugere que seja entregue uma “cruzinha para por no pescoço, em recordação da assinalação” (n.89). Em seguida, entram solenemente no templo e na Igreja, onde participam da liturgia da Palavra. Após a homilia, o RICA sugere a entrega de uma Bíblia para o catecúmeno, “com dignidade e reverência” (n.93).

         Nos primeiros séculos, para a admissão de um candidato ao catecumenato havia um exame muito sério. Investigava-se inclusive sua profissão, se era ou não compatível com as exigências do Evangelho. Sabemos que na história se afrouxaram muito essas exigências. O RICA nos propõe alguns critérios:

         “Para esse primeiro passo, requer-se que os candidatos já possuam os rudimentos da vida espiritual e os fundamentos da doutrina cristã, a saber: a fé inicial adquirida no tempo do ‘pré-catecumenato’, o princípio de conversão e o desejo de mudar de vida e entrar em relação pessoal com Deus em Cristo; já tenham, portanto, certa ideia da conversão, o costume de rezar e invocar a Deus, e alguma experiência da comunidade e do espírito dos cristãos” (RICA n.15).

         O catecúmeno deve, portanto, ter muito claro que o sacramento é um sinal visível de sua adesão a Cristo que é celebrado eclesialmente. O catecumenato é ingresso numa comunidade eclesial concreta, à qual o catecúmeno deve querer pertencer e participar. Da parte da Igreja há também o compromisso de acolher, acompanhar e testemunhar o Evangelho ao catecúmeno, com uma liturgia viva e envolvente. É preciso lembrar que o que se exige de um catecúmeno é uma exigência ainda mais válida para qualquer fiel. Desde seu ingresso, o catecúmeno deve manifestar uma confiança plena em Jesus Cristo, em quem creem os cristãos da comunidade à qual quer aderir. A comunidade, em troca, deve ajudar ao catecúmeno fazer sua experiência pessoal e integral de Jesus. Por fim, deve aceitar uma revisão constante de vida para ir se conformando às exigências do Evangelho.

Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo