João Crisóstomo: o catecumenato e sua dimensão ascético-penitencial

17 de Junho de 2021

"João Crisóstomo: o catecumenato e sua dimensão ascético-penitencial"

Pe. Luiz Antonio Belini

No mês passado escrevi sobre a Iniciação Cristã na Igreja de Antioquia, na Síria, através dos escritos de João Crisóstomo. Chegaram-nos algumas das homilias deste grande orador proferidas na Igreja principal de Antioquia, quando sacerdote, entre 386 e 396. Essas homilias podem ter sido escritas por ele, mas também objeto de anotação por um estenógrafo, ou seja, alguém com capacidade de anotar com a mesma rapidez de quem fala, usando recursos de abreviatura e sinais.

A estrutura do processo de Iniciação, que inclui o catecumenato em duas etapas (a dos simples catecúmenos e a dos iluminandos, ou seja, dos que deram seu nome, se preparando durante a quaresma para a iniciação sacramental na Páscoa) e a celebração dos sacramentos, é essencialmente a mesma que já encontramos em outras Igrejas. O processo formativo incluía uma tríplice dimensão: catequética, ascético-penitencial e ritual. Destas, João nos dá um rico testemunho da segunda. O que se justifica por sua personalidade austera e formação ascética.

“É possível jejuar sem jejuar. De que modo? O direi: se fazemos uso dos alimentos, mas nos abstemos dos pecados” (Cat. IX, 1; SC 50, p.200)

A segunda etapa, a dos iluminandos, exige uma profunda transformação de vida. E neste sentido, João era otimista. Pensava que alguém precisasse de apenas dez dias para se livrar de um hábito mal. Os trinta dias desta etapa seriam então suficientes para uma profunda conversão. A purificação interior se obtém com orações, esmolas, jejuns, vigílias, lágrimas e confissão dos pecados.  Entre os exercícios ascéticos, João menciona algo estranho para nós: renúncia ao banho e privação de água. Mas também algo muito atual: a necessidade de frear a língua. Essa é como uma espada, mas deve ser afiada para acusação dos próprios pecados, e não para ferir o irmão (Cat. II, 4).

De todos esses exercícios, João insiste majoritariamente no jejum, que ele compreende em sentido amplo. Para aqueles que reclamavam que não conseguiam jejuar como o ensinado, João os incentivava a não desanimarem, mas também a perceberem que poderiam jejuar sem se abster radicalmente de alimentos, porque não se jejua apenas com um sentido, o gustativo, mas com todos.

“Você jejua? Mostre-me com suas obras. Dirá: quais obras? Se vê um pobre, tenha piedade. Se tem um inimigo, se reconcilie. Se um amigo merece um elogio pelo modo de seu agir, não seja ciumento. Se encontrar uma bela mulher, continue em seu caminho. Não é só a boca que jejua, mas também o olho, o ouvido, o pé, a mão e todos os membros do teu corpo. O jejum da mão é abster-se de furtos e roubos; dos pés, de não correr para os espetáculos proibidos; dos olhos, de tirar o olhar de espetáculos prazerosos e de não observar com curiosidade a beleza alheia (...). O jejum das orelhas consiste em não prestar atenção às críticas e às calúnias (...). A boca jejua abstendo-se de palavras vergonhosas e injuriosas, sem falar do próximo” (Omel. III al  pop. di  Antiochia, 4-5).

Da dimensão ritual, João recorda dois ritos: os exorcismos e a renúncia a Satanás e adesão a Cristo. Na celebração dos sacramentos, João menciona duas unções pré-batismais: uma sobre a fronte e outra sobre o corpo todo. Simbolizavam a luta contra Satanás e aconteciam durante a vigília pascal. Também na vigília se celebrava o batismo. Depois da unção em todo o corpo, o candidato descia na piscina batismal. O sacerdote, o fazendo imergir por três vezes, pronunciava: “(o nome) é batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Cat. VI, 27; SC 50, p.147). Depois do batismo, João menciona apenas o rito do beijo da paz. Rezava-se então o Pai-Nosso e seguia-se com a participação na eucaristia.

         João descreve o batismo como um matrimônio espiritual. E por analogia com este, seguiam sete dias de festa, para as núpcias (Cat. X, 24; SC 50, p.227). Durante esta semana, os agora neófitos participavam das missas e ouviam a cada vez uma exortação. As seis que chegaram até nós têm cunho fortemente moral, chamando a atenção para a novidade da moral cristã. Os batizados não são mais escravos do pecado, mas filhos de Deus. Devem brilhar mais que os astros. Tendo recebido a cidadania da Jerusalém celeste, precisam a partir de agora mostrar pelas boas obras que são dignos dela.

         Em uma de suas homilias, João Crisóstomo nos dá As cinco vias da penitência que levam para o Céu. Em uma época como a nossa, que entende a penitência de forma muito individualista e intimista, vale a pena refletir sobre elas:

         “Reprova também tu aquilo em que pecaste; basta isto para o Senhor desculpar-te. Quem reprova aquilo em que pecou, custará mais a recair. (...) A seguinte não é nada inferior: não guardemos lembrança das injúrias recebidas dos inimigos, dominemos a cólera, perdoemos as faltas dos companheiros. Com isso, aquilo que se cometeu contra o Senhor será perdoado. (...) Queres saber a terceira via da penitência? Oração ardente e bem feita, que brote do fundo do coração. Se ainda uma quarta desejas conhecer, chamá-la-ei de esmola. Possui muita e poderosa força. E ser modesto no agir e humilde, isto, não menos que tudo o mais, destrói os pecados. (...)

         Indicamos cinco vias da penitência: a primeira, a reprovação dos pecados; a segunda, o perdão das faltas do próximo; terceira, a oração; quarta, a esmola; quinta, a humildade” (Hom. De diabolo tentatore 2,6).