Agostinho: o Batismo exige Fé e Boas Obras

07 de Abril de 2021

"Agostinho: o Batismo exige Fé e Boas Obras"

Entre 412 e 413, Agostinho escreveu uma obra que é referência para o nosso conhecimento da iniciação cristã na Igreja antiga: De fide et operibus - A Fé e as Obras (FO). Para compreendê-la, no entanto, precisamos nos lembrar do contexto no qual ela se situa. Está-se a um século da chamada paz de Constantino, quando ser cristão não é mais um crime. Na verdade, neste século, a Igreja passou de perseguida a religião oficial do Império. Uma grande quantidade de pessoas aderiu ao cristianismo, nem sempre com as intenções mais genuínas. Os bispos dos séculos IV e V insistirão muito neste ponto, o que demonstra a gravidade do problema. Nem todos queriam realmente abandonar suas crenças e costumes pagãos.

As religiões pagãs, em geral, não implicavam num modo determinado de vida, se adequando aos costumes de cada um. Já o cristianismo traz consigo uma moral, um modo de viver. Em outras palavras, se para um judeu havia certa continuidade, para um grego ou romano o cristianismo implicava em um modo diferente de ver e pensar o mundo, de agir e de crer. Acrescente-se a isso o fato de a Igreja ter que iniciar agora uma grande quantidade de pessoas.

Agostinho se confrontará continuamente com os novos problemas: pessoas que pedem para serem aceitas no catecumenato sem uma verdadeira conversão, mas pretendendo algum benefício temporal; uma Igreja que tem em seu seio pessoas boas e que dão bom exemplo, mas também pessoas más, que além do mau exemplo, ainda arrastam outros para seu erro; intolerantes que não compreendendo a "paciência de Deus", ou querem a expulsão de todos os maus cristãos ou eles próprios acabam abandonando a Igreja; por fim, aqueles que pensam que para a salvação basta a fé no nome de Jesus ou que se devem conceder os sacramentos primeiro e somente num segundo momento instruir sobre as exigências morais. Já em 325, no Concílio de Niceia, o primeiro grande concílio da Igreja, se havia alertado:

"Seja por necessidade, seja por causa da autoridade de algumas pessoas, muitas coisas contrárias à regra eclesiástica se são produzidas: assim, se tem concedido o banho espiritual e com o batismo a dignidade episcopal ou sacerdotal a homens que apenas tinham passado da vida pagã à fé, e que não haviam sido instruídos senão por pouco tempo; é justo que no porvir não se aja mais assim, porque o catecúmeno necessita de tempo (com vistas ao batismo), e depois do batismo, um tempo mais longo de prova (em vista das ordens)" (Concílio de Niceia, ano 325, can.2)

Pelo visto, o problema diagnosticado em Niceia não só não se resolveu como se tornou cada vez mais agudo. Alguns leigos estudiosos das Sagradas Escrituras colocaram para Agostinho um problema pelo qual eles próprios passavam ou que, desafiados por outros, não souberam responder.  Estes cristãos, baseados em determinadas passagens bíblicas, sobretudo 1Cor 3,11-15, distinguiam a do agir bem, ou seja, nas palavras de Agostinho, das boas obras. Que a fé é necessária para a salvação, mesmo sem boas obras; já as boas obras sem a fé, não salvam.

"Para alguns, parece lícito admitir todos ao lavacro da regeneração [batismo] em Jesus Cristo Senhor nosso, mesmo sem o desejo de mudar a vida má e torpe, conhecida por seus erros tão evidentes, e mesmo se declarassem abertamente querer manter tal conduta" (FO 1)

Como consequência, seria mais apropriado, até por uma questão de caridade pastoral, conceder o batismo a todos, mesmo a quem vive mau e só num segundo momento instruir sobre a necessidade das boas obras.

"Acreditam ser mau e inapropriado primeiro ensinar ao cristão como deve viver e, depois, batizá-lo; consideram que o sacramento do batismo deve preceder os ensinamentos sobre o modo de vida; e, querendo o batizado guardar e observar esses ensinamentos, o fará com proveito. Caso não o queira, guarde a fé cristã, sem a qual perecerá eternamente, em qualquer loucura ou pecado que permaneça vivendo; [mas] será salvo, como pelo fogo, como quem construiu sobre o fundamento que é Cristo não com ouro, prata e pedras preciosas, mas com madeira, feno e palha, isto é, não com costumes justos e castos, mas com costumes iníquos e sem pudor" (FO 1)

Agostinho irá responder a estas questões sempre a partir dos textos bíblicos. Em Primeira Catequese aos Não Cristãos, objeto de nosso escrito anterior, já havia deixado evidente a necessidade de um discernimento ao aceitar alguém no catecumenato, preservando sempre a possibilidade de uma verdadeira conversão ao longo da formação. E, portanto, deste período. Que a existência de bons e maus na Igreja faz parte da própria maneira de agir de Deus, expressa em Jesus, de possibilitar a todos uma verdadeira conversão. Algumas parábolas de Jesus, como a do joio e do trigo, expressam esta "paciência de Deus". Agora, em A Fé e as Obras, irá demonstrar que esta tolerância não é um afrouxamento na disciplina (FO 3). Quanto à proposta de batizar primeiro e somente depois ensinar o que concerne à boa vida e aos costumes, afirma:

"Assim se faça quando alguém está para morrer, pois bastam poucas palavras que contenham o essencial para que creia e receba o sacramento. Assim, caso deixe esta vida, deixe-a livre de todos os pecados passados. Se, ao invés, pede o sacramento alguém são e com tempo para o aprendizado, qual outro momento mais oportuno se poderia encontrar para que ouça como deve viver e como se tornar pessoa de fé que aquele em que o espírito está bem atento e ansioso pela fé na religião?"(FO 9)

 Para aqueles que afirmam que basta a fé para a salvação, após demonstrar o erro em que incorrem na interpretação dos textos bíblicos, Agostinho afirma: "... a Escritura confirma de modo claríssimo, que de nada adianta a fé senão aquela da qual falou o Apostolo, ou seja: 'que age pela caridade' [Gl 5,6]; sem obras, a fé não pode salvar nem sem o fogo nem pelo fogo; pois, se salva pelo fogo, é ela mesma a salvar. (...) Essa fé não é como aquela dos demônios, que, ainda que creiam, tremam e confessem que Jesus é Filho de Deus, não pode ser tida como fundamento" (FO 27). Só a fé que age pela caridade é fundamento de salvação. A fé dos demônios é uma "fé morta" (FO 30). "A boa vida é inseparável da fé que age pela caridade, melhor dizendo, a própria fé é a vida boa" (FO 42)

"Estejamos diligentemente atentos, então, com o auxílio do Senhor nosso Deus para não tornar os homens seguros no mal, dizendo-lhes que, se forem batizados em Cristo, de qualquer modo que tiverem vivido essa fé, chegarão à salvação eterna. (...) Mas, em todo caso, sobretudo guardemos a sã doutrina do Mestre divino, para que o santo batismo seja consoante com a vida cristã e que nenhum homem a quem falte um dos dois [fé e boas obras] seja prometida a vida eterna" (FO 48)


Pe. Luiz Antônio Belini
Colunista do Jornal Servindo