Os Escrutínios com seus Exorcismos

06 de Fevereiro de 2023

"Os Escrutínios com seus Exorcismos"

A quaresma será para os eleitos um tempo de intensa preparação intelectual, moral e litúrgica, para a recepção dos sacramentos da iniciação cristã: batismo, confirmação e eucaristia. Justamente por isso a chamamos de tempo de purificação e iluminação. No centro estão os Escrutínios com seus exorcismos. Nos séculos IV e V eram também celebrações de Entregas (“traditio”) do Símbolo de Fé, do Pai-Nosso e dos Evangelhos. As fontes que temos desse período não nos permitem reconstruir em detalhes estas celebrações que, por outro lado, poderiam variar muito conforme o local, mas nos dão algumas informações interessantes. Sabemos que a recuperação catecumenal promovida pelo RICA inspira-se na Igreja de Roma (ADRIEN NOCENT).

Os Escrutínios são ações litúrgicas da Igreja através das quais ela prova e purifica os eleitos em seu itinerário para o batismo. Tem um caráter pessoal, enquanto tanto o pecado quanto a adesão ao Senhor é sempre um ato livre da pessoa, mas também social, já que o mau no mundo a precede e a envolve. Neste sentido, os escrutínios são também revisão de vida quanto ao “diabolismo existente no mundo” (CASIANO FLORISTÁN). São celebrações que envolvem toda a comunidade eclesial na qual vive o eleito, por isso, são essencialmente comunitárias e estão previstas para os terceiro, quarto e quinto domingos da quaresma. O termo escrutínio aparece pela primeira vez, nas fontes que dispomos, em Ambrósio de Milão e está ligado à Entrega do Símbolo.

“Foram celebrados até hoje os mistérios dos escrutínios. Foi pesquisado para que alguma impureza não fique ligada ao corpo de alguém. Pelo exorcismo, procurou-se e aplicou-se uma santificação não só do corpo, mas também da alma. Agora chegou o tempo e o dia de apresentar a tradição do símbolo, este símbolo que é um sinal espiritual, este símbolo que é objeto da meditação de nosso coração e como que salvaguarda sempre presente. De fato, é tesouro do nosso íntimo” (AMBROSIO, Explicação do Símbolo n.1)

O termo escrutínio vem do latim scrutari: “escrutinar”, “escrutar”, ou seja, examinar com muita atenção, tratando de averiguar algo interior ou menos manifesto; normalmente utilizamos esse termo para a contagem dos votos depositados em uma urna nas eleições. Na iniciação cristã, indicam-se com este termo, liturgias nas quais os futuros batizados são convidados a uma purificação profunda para serem pessoas novas, através de um exame que se faz ao aspirante ao batismo sobre o conhecimento do Evangelho, sua fé e sua disposição de vida cristã. Mas não devem ser confundidos com uma prova de fim de catequese. São mais parecidos a um exame de consciência e celebração penitencial. De fato, o RICA retoma os escrutínios assim:

“A finalidade dos escrutínios que se realizam por meio dos exorcismos é sobretudo espiritual. O que se procura por eles é purificar os espíritos e os corações, fortalecer contra as tentações, orientar os propósitos e estimular as vontades, para que os catecúmenos se unam mais estreitamente a Cristo e reavivem seu desejo de amar a Deus.

Requer-se dos ‘co-petentes’ [eleitos] a vontade de adquirir um senso profundo de Cristo e da Igreja e espera-se, antes de tudo, que progridam no conhecimento de si mesmos, no exame sincero da consciência e na verdadeira penitência” (RICA 154-155).

São, portanto, dois os objetivos dos escrutínios: descobrir através do exame de consciência e pela penitência o que “houver de imperfeito, fraco e mau no coração dos eleitos, para curá-los; e o que houver de bom, forte, santo, para consolidá-lo” (RICA 25). É neste sentido que os escrutínios estão orientados para libertar do pecado e do demônio e confirmar no Cristo. Tem seu centro no rito do exorcismo.

A palavra exorcismo vem do grego exorkizo: “esconjuro”; ou seja, fazer imprecações contra; conjurar; afastar. O exorcismo é um mandato ou rito de intimidação, feito em nome de Deus, para afastar o demônio, enquanto força misteriosa e má, daquelas pessoas (animais ou coisas) que se supõe estarem sob sua influência. Para a sensibilidade moderna, a existência do demônio como ser pessoal e o próprio exorcismo exigem uma reflexão e prática pastorais condizentes. Antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), as fórmulas de exorcismos se dirigiam diretamente ao demônio; agora se dirigem a Deus, pedindo-lhe o dom da libertação do domínio do diabólico.

As fórmulas de exorcismos começavam sempre com o conjuro “Tu, diabo maldito...” e acrescentavam três intimidações: o diabo deve reconhecer a sentença pronunciada contra ele por Jesus (Jo 12,31; 16,1); deve expressar sua submissão às três pessoas divinas e, por fim, afastar-se do catecúmeno (R. Béraudy). Podemos ter uma ideia dessas orações de exorcismo através do Sacramentário Gelasiano, embora já fosse dirigido majoritariamente a crianças: “Tu, diabo maldito, reconhece a sentença proferida contra ti e presta honra a Jesus Cristo seu Filho e ao Espírito Santo e afasta-te destes servos de Deus, porque nosso Deus e Senhor Jesus Cristo se dignou chamá-los para ele e para sua santa graça, para a benção e para a fonte do batismo. E que tu, diabo maldito, não tenhas a audácia de violar este sinal da santa cruz com a qual marcamos suas frontes” (Sacramentário Gelasiano n.292). Uma série de gestos acompanhava a oração de exorcismo. Na oração acima encontramos o principal: o sinal da cruz traçado na fronte. Outros eram: insuflação, imposição de mãos, aspersão com água benta.

Estes exorcismos não significam que os catecúmenos ou eleitos estivessem “possuídos”. O Sacramentário Gelasiano que citamos, por exemplo, distingue esses exorcismos daqueles sobre os “catecúmenos energúmenos”, ou seja, possuídos. Mas fazia parte da compreensão da caminhada catecumenal. Pelo batismo o catecúmeno consagra-se a Deus que o protege. O diabo procura por todos os meios evitar essa consagração e dominá-lo. Algo semelhante se pensava do martírio. O exorcismo visa libertar o catecúmeno da influência demoníaca e predispô-lo à ação divina regeneradora pelo banho batismal. Embora essa influência maligna não suprima a liberdade humana de rejeitá-la. Uma passagem da catequese de Cirilo sobre o pecado nos demonstra isso:

“Dirá alguém: O que é, afinal, o pecado? É algum ser vivo? É um anjo? É um demônio? Que é que o produz? Ó homem, não é um inimigo que te ataca de fora, mas um germe mau que brota de ti mesmo. Que vejas retamente com teus olhos, e não haverá concupiscência. (...) Quando te esqueceres de Deus, então começarás a pensar as coisas más e a perpetrar o ilícito” (Cirilo de Jerusalém, Catequese II,2).

Distinguiam-se três tipos de exorcismos: os diários, sobre os eleitos na quaresma. Egéria escreve sobre a Igreja de Jerusalém: “De fato, aqui o costume é tal que os que se dirigem ao batismo, durante esses quarenta dias em que se jejua, primeiramente sejam exorcizados cedo pelos clérigos” (Peregrinação 46,1). Os solenes: nos escrutínios. Inicialmente três, depois, com a predominância do batismo de crianças, diminuem a dimensão reflexiva e penitencial e tem-se o aumento dos exorcismos, que chegam a sete. Por fim, o exorcismo com a unção na noite pascal.

As celebrações dos Escrutínios e seus exorcismos eram iluminadas pelas leituras do Evangelho segundo João: água viva (samaritana); luz (cego de nascença); e ressurreição e vida (Lázaro). Essas leituras correspondem ao ciclo do ano A e foram retomadas pela reforma litúrgica e pelo RICA.

Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo