Recitando o Credo

15 de Fevereiro de 2022

"Recitando o Credo"

Nosso contato com o Símbolo de Fé é sem dúvida a sua recitação dentro da missa dominical. A imensa maioria dos católicos foi batizada logo ao nascer e na catequese a formação nem sempre explicita o Símbolo como o deveria. Às vezes, o catequizando não tem maturidade para compreendê-lo. Mas nem sempre foi assim. Até o século VI não havia a recitação do Credo na missa. Foi introduzida no Oriente por Timóteo, patriarca de Constantinopla, entre 515 e 517. O imperador Justiniano sancionou esta prática em 568, difundindo-se rapidamente. No Ocidente, será introduzida pelo III Concílio de Toledo, na Espanha, em 589, mas diferentemente do Oriente, irá se difundir muito lentamente. Em Roma, sua recitação durante a missa será introduzida apenas em 1014.

         A recitação do Credo durante a missa, como resposta da comunidade eclesial à Palavra proclamada e atualizada pela homilia, indica a pertença do fiel à única e mesma família da Igreja, distanciando-se de comunidades heréticas ou de doutrinas estranhas. Os Símbolos de Fé, se comparados com as confissões neotestamentárias ou as regra de fé, já haviam sido enriquecidos com detalhes teológicos, fruto de debates e Concílios que buscavam solucionar interpretações que divergiam substancialmente da Tradição. 

“O símbolo ou profissão de fé, na celebração da Missa, tem por objetivo levar o povo a dar seu assentimento e resposta à Palavra de Deus ouvida nas leituras e na homilia, bem como recordar-lhe a regra da fé antes de iniciar a celebração da Eucaristia” (Instrução Geral Sobre o Missal Romano n.43)

         Encontraremos os Símbolos de Fé, como os conhecemos, nos séculos IV e V ligados ao batismo e não propriamente à eucaristia. Embora, enquanto sintetizam as verdades fundamentais de nossa fé, estejam de certo modo já presentes nas Escrituras. Neste período, é preciso lembrar, a grande maioria dos batizados eram jovens ou adultos que, a partir de uma fé inicial, preparavam-se longamente para o batismo. Faziam o caminho catecumenal, como já tivemos ocasião de detalhar. O Credo expresso em forma de interrogação e resposta que servia ao rito bastimal foi a base para a formação dos catecúmenos. Surgia assim o Símbolo de Fé em forma declarativa (como o proclamamos atualmente na missa). O enriquecimento dos artigos deveu-se à necessidade de responder a problemas muito concretos que surgiram nas várias regiões por onde o cristianismo se expandiu.

         Já nos deparamos com uma das primeiras descrições do batismo cristão, por Hipólito, em uma obra do início do século III (talvez de 215). É um belo exemplo de Credo em forma interrogativa em seu berço original, a celebração do batismo. É o primeiro documento que nos apresenta de forma completa um Símbolo de Fé, embora com algumas características próprias de Hipólito e, possivelmente, com alguma interpolação, ou seja, algum acréscimo que não está presente em todos os manuscritos e será, por isso, transcrito entre parênteses:

“Assim que desce à água o que é batizado, diga-lhe o que batiza, impondo sobre ele a mão: Crês em Deus Pai Todo Poderoso? E o que é batizado, responda: Creio. Imediatamente, com a mão pousada sobre a sua cabeça, batize-o aquele uma vez. E diga, a seguir: Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria, e foi crucificado sob Pôncio Pilatos e morreu e (foi sepultado) e, vivo, ressurgiu dos mortos no terceiro dia, e subiu aos Céus e sentou-se à direita do Pai e há de vir julgar os vivos e os mortos? Quando responder: Creio, será batizado pela segunda vez. E diga novamente: Crês no Espírito Santo, na santa Igreja (e na ressurreição da carne)? Responda o que está sendo batizado: Creio. E será batizado pela terceira vez”   (Tradição Apostólica 48-50).

         Alguns domingos antes da Páscoa, na preparação dos catecúmenos conduzida pelo bispo, havia a traditio Symboli, ou seja, a transmissão do Símbolo com sua explicação. Os catecúmenos, auxiliados por seus padrinhos, deviam aprendê-lo de memória, já que uma das recomendações era que não fosse escrito. Na semana seguinte havia a redditio Symboli, a devolução doSímbolo pelo catecúmeno. O catecúmeno o proclamava diante do bispo. Não era um exercício meramente intelectual ou de memória, mas deveria ser incorporado existencialmente, no espírito do conselho de Paulo: “Com o coração cremos para ser justos, com a boca confessamos para ser salvos” (Rm 10,10).

Santo Agostinho, com apenas dois anos de sacerdócio, mas já reconhecido por sua inteligência da fé e dedicação de vida, foi convidado a explicar o Símbolo no Concílio Plenário dos Bispos africanos em Hipona, em 8 de outubro de 393.

         “A explicação da fé serve para defender o Símbolo; não que esta explicação, aos que recebem a graça de Deus, como tem de ser aprendida e mandada à memória, tome o lugar do Símbolo, mas para que ela possa, contra as insídias dos hereges, com a autoridade católica, guardar com munida defesa aquilo que o Símbolo contém” (A Fé e o Símbolo I, 2)

         Não basta memorizar o Credo. Por repeti-lo sempre, acabamos por fixá-lo na memória. É preciso entendê-lo. E entendê-lo existencialmente, ou seja, purificando o coração. Santo Agostinho liga compreensão, pureza de coração e fé: entender, viver e crer. Cada uma dessas ações fecunda as outras. Entender para viver o que se crê; viver com consciência e fé; crer para compreender e vivenciar. Nas Missas, a própria Oração Eucarística está formulada como uma grande profissão de fé. Às vezes, pela repetição, fazemos esses ritos de forma muito mecânica. É bom prestar atenção em como rezamos, devemos rezar de forma que seja possível tomar consciência das palavras que pronunciamos.

Ao fim da explicação de Agostinho, os bispos pediram que ele transformasse sua explicação em um livreto. E ele o termina de forma magistral:

“É esta a fé que é dada aos novos cristãos, para que guardem com poucas palavras no Símbolo. Estas poucas palavras são dadas a conhecer aos fiéis para que crendo, se submetam a Deus e, submissos, vivam retamente; e vivendo retamente purifiquem o coração, e com o coração purificado compreendam aquilo que crêem” (A Fé e o Símbolo X, 25)

         Entre os séculos III e VI encontraremos muitos Símbolos de Fé. Inicialmente identificados com pessoas, na maioria das vezes seus autores, por isso, costumam ser indicados como Credos de autor. Posteriormente, encontraremos Credos eclesiais, como aqueles que surgiram ou foram assumidos por concílios. O melhor exemplo deste último tipo é o Credo Niceno-Constantinopolitano. Embora com alguma variação, devida às circunstâncias de onde e quando foram formulados, possuem uma semelhança estrutural. O motivo é simples. Foram elaborados a partir dos artigos de fé nas pessoas da Trindade: “ide fazer discípulos entre todos os povos, batizai-os consagrando-os ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo” (Mt 28,19). E assumindo as confissões de fé presentes no Novo Testamento.

         Quando rezarmos o Creio, principalmente em uma celebração batismal ou eucarística, meditemos bem as palavras que pronunciamos, elas estão carregadas de significado, de fé e de história!


Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo