Creio, Credo ou Símbolo da Fé?

04 de Novembro de 2021

"Creio, Credo ou Símbolo da Fé?"

Estamos acostumados a professar nossa fé nas celebrações eucarísticas. Às vezes chamamos de Creio, outras vezes, de Credo. Essa última palavra, credo, desperta uma curiosidade, porque utilizamos muito na forma de interjeição, exprimindo rejeição ou espanto, como quando alguém nos conta uma tragédia e nós reagimos com um “credo!”. Às vezes, o sacerdote avisa na missa que o Creio não será o costumeiro, mas um “mais longo”, chamado de Símbolo Niceno-Constantinopolitano, o diferenciando do chamado Símbolo Apostólico. Afinal, o que significam essas palavras: Creio, Credo e Símbolo.

As duas primeiras são fáceis. As orações costumam levar por nome a primeira ou as primeiras palavras. Basta lembrar de algumas: Ave-Maria, Pai-Nosso, Salve-Rainha, Glória ao Pai... Seguindo esta lógica, Credo é a primeira palavra da proclamação de nossa fé, mas em latim: “Credo in Deum Patrem omnipotentem”; que é traduzido para o português como: “Creio em Deus Pai todo-poderoso”. Em síntese, Credo em latim é o mesmo que Creio em português. Primeira palavra de nossa proclamação de fé.

O Credo é um resumo preciso, mais ou menos breve e fixo, dos conteúdos essenciais da fé, em nosso caso, da fé cristã. John N. D. Kelly (Early Christian Creeds), um dos maiores estudiosos do nosso tema, escreveu a esse respeito:        Por séculos os cristãos se habituaram a entender com o termo credo uma fórmula estabelecida que resume os artigos essenciais da sua religião e goza da aprovação da autoridade eclesiástica.

Permanecendo dentro do período dos padres da Igreja, encontramos uma explicação muito interessante dada por Nicetas, bispo de Remesiana (atual Bela Palanka, Sérvia). Ele viveu entre 335 e 414. Chegaram-nos, infelizmente não em sua íntegra, seis livros de suas Catequeses Batismais (Competentibus ad baptismum instructionis libeli VI). Por sorte, o V livro, uma explicação do Símbolo dos Apóstolos, está inteiro e representa uma valiosa contribuição para a história dos símbolos. Ao encerrar sua explicação do Símbolo, ele escreve:

“Sendo isto assim, caríssimos, permaneçam perseverantes em crer na doutrina que lhes foi confiada e ensinada. Mantende sempre o pacto que fizestes com Deus, isto é, este Símbolo que professastes diante dos anjos e dos homens. Suas palavras certamente são breves, mas contém todos os mistérios. Com efeito, em forma abreviada se recolheu todas as Escrituras, como pedras preciosas em um coroa, para que, dado que muitos crentes não sabem ler ou se sabem não podem ler por suas ocupações seculares, guardando-as em seu coração, tenham a ciência salutar que lhes basta.

Assim, caríssimos, caminhando, sentando, dormindo ou despertos meditem esta confissão de fé salvadora em vossos corações. Que vossa mente esteja sempre no céu, vossa esperança na ressurreição, vosso desejo na promessa” (V 13-14).

Nicetas menciona o Símbolo que se professa diante dos “anjos e dos homens”. Se Creio ou Credo eram termos facilmente compreensíveis, o uso da palavra Símbolo é mais complicado. Apesar de ser uma palavra grega, a primeira vez que a encontramos para nomear um Credo é no ocidente latino, em uma carta de Cipriano de Cartago (aproximadamente 200 - 258). Questionado por um certo Magno sobre a validade do batismo dos novacianos, tidos como hereges, escreve: “se alguém replica que Novaciano segue a mesma lei da Igreja católica, que batiza com o mesmo símbolo que nós e reconhece ao mesmo Deus Pai, ao mesmo Filho Cristo, ao mesmo Espírito Santo, e que por isso pode exercitar o poder de batizar, já que parece não discrepar em nada nas interrogações que se fazem no batismo; saiba o que assim replica, primeiro, que não temos o mesmo símbolo os cismáticos e nós, nem o mesmo interrogatório” (Epístola 69,7). A conclusão de Cipriano difere da prática atual da Igreja.

Segundo o já citado estudioso inglês, Kelly, o motivo pelo qual foi escolhida esta palavra para indicar o Credo e qual o exato significado dado a ela, é impossível dizer de forma inconteste. Encontramos diversas explicações e é difícil justificar a preferência exclusiva por uma delas. Inclusive entre os próprios santos padres.

Existe em todos os usos um fundo comum, aquele dado pelo uso corriqueiro da palavra. Símbolo procede do verbo grego syn-bállo, que significa reunir, ajuntar. Indicava um objeto que, tendo sido partido, permitisse, ao serem reunidas as partes, identificar seus portadores como contraentes de um acordo, pacto, ou mesmo, herdeiros; ou ainda, como unidos por laços de família, amizade ou cidadania. Por extensão, passou a indicar algo como um “selo” ou algo que permitisse uma “identificação”.

Rufino de Aquileia (aproximadamente 340 - 410), autor de um comentário ao Símbolo, talvez o primeiro comentário que chegou até nós, explicava o uso da palavra símbolo por ela significar seja “sinal (indicium ou signum)” como também “collatio”, ou seja, uma composição para cuja formulação concorreram muitas pessoas. Este último significado, na verdade, procede de um erro de filologia de Rufino, mas que vinha de encontro com a sua apresentação do Símbolo dos Apóstolos como uma contribuição direta da parte de cada um dos apóstolos, cada qual com uma proposição. Rufino influenciou enormemente a tradição.

Outros padres, à ideia de “selo” dotado de crédito e distintivo, acrescentaram o de “pacto”, acordo, contra-senha, garantia legal. De fato, no tempo de Agostinho, o uso corrente da palavra indicava o anel com o “sigilo”, ou seja, o sinete de selo, a marca – para ser mais compreensivo: “carimbo”; e também indicava vínculo ou garantia legal. Neste sentido, temos um texto ilustrativo de Agostinho, em um Sermão na Entrega do Símbolo, proferido duas ou três semanas antes da Páscoa:

Já chegou o momento para que recebais o símbolo, que contém, de forma breve, tudo o que crês para a vossa salvação eterna. Na origem do termo ‘símbolo’ está uma semelhança; é, pois, um termo metafórico. Os mercadores estabelecem entre si um símbolo graças ao qual sua agremiação se mantém unida por um pacto de fidelidade. Também vossa sociedade é um negócio de coisas espirituais, para ser semelhantes aos mercadores que buscam a pedra preciosa” (Sermão 212,1).

E, ao concluir um outro Sermão de Entrega do Símbolo, afirma:

Acabo de expor à vossa caridade, segundo minha capacidade, tudo o que se transmite no símbolo. E recebe o nome de símbolo porque nele está contido o acordo pactado de nossa sociedade [societatis], e o confessá-lo é o sinal estabelecido pelo qual se reconhece o cristão fiel” (Sermão 214,12)

Os pesquisadores modernos, influenciados pelas pesquisas helenísticas, quiseram ver no uso cristão do termo símbolo uma influência das religiões mistéricas. Nessas religiões, como a de Elêusis, símbolo indicava fórmulas conhecidas apenas pelos iniciados e que serviam de sinais de identificação.

Depois de uma longa investigação, Kelly conclui que “o que exatamente motivou a escolha da palavra permanece um desconcertante mistério” (trad. It. p.56). Irá depender muito também do contexto de quem a usa. Mas para ele, se tem algo incontestável, é que no século III, com a palavra Símbolo, se indicava as interrogações e respostas do batismo. Em seguida, passou a indicar também o Credo declaratório, do modo como o encontramos na Entrega e Devolução do catecumenato.  Quando se deu esta passagem, também é impossível dizer. O que é possível afirmar: “o nome clássico para os credos batismais estava, em sua origem, ligado no modo mais íntimo à estrutura primitiva do rito batismal” (p.59). Com as palavras Creio, Credo e Símbolo indicamos, portanto, esse conjunto de afirmações essenciais de nossa fé cristã, que nos une e nos identifica no Caminho.

Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo